domingo, 30 de setembro de 2007

Lume


Sábado, 29 de Setembro de 2007, Mafalda Veiga e João Pedro Pais ao vivo no Coliseu do Porto. Eu fui. Alías, eu e umas tantas pessoas por quem sinto um amor imenso. Encontravam-se ali, no mesmo espaço que eu, a uma distancia exígua os meus grandes amigos, eles que sentiram com toda a certeza, o sabor do mundo na voz da Mafalda. Porque afinal Mafalda Veiga é isso mesmo, é o sabor do mundo, o “trago das amoras” na boca. Será por isso que a adoramos tanto ou simplesmente por nos dizer demais, por fazer parte de nós? Sim, tenho em meu peito um pedacinho de Mafalda Veiga que caminha também lado a lado comigo.
Num coliseu repleto de gente, cheio ate ao tecto, pairava no ar o doce tom duma das compositoras que mais me encanta acompanhada por ele, o João. Também ele terá a sua responsabilidade pelo encher de corações que se viveu ali, naquele coliseu, que conta as estórias do passado e agora também a nossa. Assobios, gritos de euforia, silêncio, fechar os olhos e deixar-me abraçar. Pisamos o chão de madeira com a mesma pegada de quem pisa neve, e se não o marcamos, se não marcamos aquele sitio com a mesma profundidade da neve, marcaram-me a mim, guardarei comigo a nossa cumplicidade.
Com um sorriso enorme despedem-se de nós os artistas, mas regressam. Ela encanta-nos com o “Fim de Dia” . “ Sabe bem voltar-te a ver, sabe bem quando estás a meu lado, quando o tempo me esvazia sabe bem teu abraço fechado”. Pensei em vocês. Desejei tanto aquele abraço que cheguei ate a senti-lo. Agarraram a minha mão, não agarraram?
Partem mais uma vez, ela e ele, mas voltam a nós e deliciam-nos com mais um lume. Derrubando todos os medos, entregando-nos como veleiros. Indizível. Fechei uma vez mais os olhos. Não consegui conter as lágrimas, não tinha de o fazer, não podia fazê-lo. Lavavam-me o rosto ao som do lume. Sussurrei baixinho cada palavra, senti cada palavra. Aí sim, o mundo era meu. E de cada um que deixou nele brilhar o lume que há-de levar ate ao fim, o lume que ninguém pode nunca apagar.

“Não percas tempo o tempo corre, só quando dói e é devagar, e dá-te ao vento como veleiro solto no mais alto mar.”

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Aclamo-te


Para aquele que sei que caminha comigo, lado a lado. Para aquele que jamais me abandonará. Para aquele em quem tenho fé. Deus.



Decidi não te falar, hoje não. Decidi aclamar-te hoje, e amar-te ainda mais. Amo-te, agora que sinto as lágrimas percorrerem-me rosto, amo-te agora que sinto um sorriso esboçar-se-me nos lábios, amo-te a cada dia, e amar-te-ei sempre.
Lembras-te quando te senti em Palas de Rei? O professor José Rui dissera “ Assusta-me saber que um dia não voltarei a Santiago, mas no fundo será um alivio.” Nessa noite, aterrorizou-me o amor que senti por ti, fora tão imenso que ate o ar demorava a entrar em meu peito. Controlei a respiração, mas em vão, comecei a chorar desenfreadamente, tal como agora. Estavas tão perto. Abraçaste-me e senti-te alimentar-me a alma. Sufocas-me com esta imensa alegria, chega ate a doer. E dois-me tanto.
Iluminas-me a vida, quando te entregas a mim me fazes crer que ainda te posso sonhar. Acredito-te não viveria se não te acreditasse, não depois de te viver, de te sentir, de te amar. Sou tão menos miserável quando te vejo, se não o sou pelo menos sinto-me. Pateticamente apetece-me abraçar o mundo, levanto a cabeça, deixando para trás a imagem da calçada que pisei durante anos, e caminho, caminho de olhar cheio e sorriso aberto. A tormenta passa, e céu fica mais azul. O céu é azul! Invade-me a tua paz e não mais me larga. Deixo-me levar pelo vento quente que se cola ao meu corpo e me embala. Adormeço no teu colo e sonho-te. Devolves-me a vida.

Sabor da vida- Voluntariado


Gostava de pensar que todo o nosso trabalho, as nossas ideias, este nosso sonho, será certamente consequente. Começará a mudança do mundo em dois miúdos, que investem algum do tempo que dispõe para si, a ouvir vidas de velhinhos, a construir a vida de crianças, a alimentar sem- abrigos ou a dar a mão a efermos? Que implicações terão nos outros estas atitudes? Tenho tanto medo que nenhumas. E o pior é que estou certa da não consequência deste acto tão humano e tão digno que é o voluntariado. Assombra-me a ideia de não ter a força para a mudança. Quase me derruba este medo, quase ergue muros impenetráveis. Mas depois descubro o presente absoluto, e percebo que consequente ou não, com futuro ou sem ele, voluntariado pertence com toda a certeza a este presente absoluto. Uma luta diária de fazer viver. Um colher de sorrisos, um distribuir de abraços, um encher de olhares. Um escutar de desabafos, de estórias longas às vezes até de insultos e maus-tratos. Voluntariado é a entrega de palavras, de silêncios, de corações. É persistência, é paciência, é compreensão. É duro. E no entanto tão viciante, tao desafiante. Sentir que devolvemos mais um momento de vida a alguém que perdera toda a luz enche-me tremendamente, por vezes, são até eles quem me devolve a mim, com brilho do mundo a esperança de ser um dia consequente. É por eles que sinto muitas vezes o sabor da vida.
Em cada pedaço de papel, um fragmento do passado que jamais me abandonará.